A coisa mais difícil nos dias de hoje é passar por uma rua e ver um grupo de crianças brincando de alguma coisa coletivamente. Hoje a diversão passou a ser individual, limitada as paredes de nossas residências, e alimentada pela alta tecnologia dos novos vídeo games e computadores. Crianças de hoje em dia não banham em brejos (que podem ser pequenas lagoas pluviais resultantes do alagamento de uma cava antes utilizadas como garimpo ou extensão de um pequeno rio que corta fazendas e propriedades rurais próximas as periferias das pequenas cidades do interior).
Hoje não se brinca mais de pião, petecas (bolas de gude), não se vê ninguém soltando pipas ou batendo figurinhas nas calçadas, atividades que costumavam reunir considerável número de crianças durante o dia. A noite brincava – se de se esconder e da bandeirinha _ jogo que consistia em invadir o campo do inimigo e depois de tocar em um ponto estratégico (geralmente um poste de iluminação) e retornar ao seu campo primeiro que o adversário, tomando o cuidado para não ser “colado”, ou seja, interrompido pelo adversário.
As crianças não brincam mais de “Salva Latinha” _ jogo em que arremessávamos uma lata de óleo a uma determinada distancia e alguém (o guardião) ia buscar, enquanto os demais se escondiam e tinha a nobre missão de derrubar a lata de óleo com um chute e pronunciar a palavra mágica, “salva latinha” sem que o guardião pronunciasse a sentença “colado!”. Se nesse tentativa alguém fosse colado, outra pessoa deveria “salvar” a latinha, e assim, libertar o colega “colado” de ser o guardião na próxima rodada.
O jogador que conseguia “salvar” a latinha sem ser notado pelo guardião era tratado como herói. Todos os que estavam escondidos saiam dos esconderijos gritando e comemorando com o “salvador” como se este tivesse marcado um gol aos 45 minutos do segundo tempo da final da copa do mundo, talvez fosse isso que motivasse os escondidos a tomar coragem e “salvar a latinha”.
O guardião era o inimigo odiado por todos (apenas durante o jogo) e se libertava de sua condição quando conseguia capturar todos os escondidos antes que alguém salvasse a latinha. Quando isso acontecia, o primeiro capturado pelo guardião, seria o guardião da próxima rodada e ao fim da noite, o jogador que mais vezes tivesse salvado a latinha, era considerado “o cara” em toda rua (já que a proibição paterna nos impedia de desbravar o bairro, nos limitando ao nosso quarteirão, entre as duas esquinas mais próximas de nossas ruas). O guardião que permanecesse por mais tempos nesse posto seria punido, sendo o guardião da noite seguinte. Se não houvesse um azarado pra esse fim, fazíamos um sorteio e decidíamos o inicio do jogo segundo aquelas condições.
Com a febre dos álbuns de figurinhas, a molecada foi aos poucos deixando a agitação, e descobrindo na negociação, a chave para o sucesso. Quando se tinha figuras repetidas, procurava – se trocar as figuras com outra pessoa e desse modo, tentávamos completar os nossos álbuns. Os álbuns concluídos eram apresentados em público e por certo tempo, admirado por todos os colecionadores de álbuns, que reverenciavam o autor da façanha. Em meados de 96, as maiorias das crianças possuíam álbuns dos Cavaleiros do Zodíaco e dos Power Rangers.
Bomberman - Batalha (ainda hoje jogo esse clássico da Infância) |
Jogar vídeo game costumava ser uma atividade social, já que na periferia ninguém tinha condições de ter um game em casa. Os “Fliperamas” eram casa de jogos eletrônicos que reuniam crianças, adolescentes e jovens, cada um segundo seu costume. As crianças se deleitavam com um clássico da Nintendo em versão de cartucho e com desenhos que pareciam feitos no paint; tratava – se do Super Mário Brothers, o predileto da molecada. Adolescentes preferiam aventura e lutas fáceis, daí a preferência pelo Metal Slug e o Street Fights. Jovens gostavam de violência e com muita violência operavam as máquinas do “fliperama” que lembram as atuais máquinas caça níqueis. Para jogar naquelas máquinas se utilizava fichas e quem fosse muito bom poderia com uma ficha zerar um jogo, o preferido da juventude era o Mortal Kombat e o The King of fighters.
Falando nisso, zerar o jogo correspondia a chegar até o fim e concluir a missão estabelecida. Poucas pessoas zeravam os jogos do “Fliperamas” e por essa razão, quem conseguia essa proeza possuía honrarias que poderia ser o acesso as melhores máquinas, testar os jogos recém – chegados e até mesmo concluir um jogo em máquinas monitoradas por cronometro. Lembro - me que aos 8 anos de idade, fui a pessoa mais nova a zerar um jogo em um fliperama da minha rua. Zerei o Top Gear, jogo de corrida de carros que se tornou um clássico da Nintendo. É bem verdade que jogar ao lado do meu irmão de 15 anos contribuiu muito para ter êxito na minha missão, mas nada que o tire o mérito atingido. Entrei para o hall dos importantes naquela pequena sociedade que cultuava os melhores. O fliperama funcionava para os jovens e adolescentes, como os bares para os homens adultos e os salões de beleza para as mulheres adultas.
E desse modo, conhecíamos e conversávamos com todos os meninos e meninas de nossa rua. Conhecíamos nossos pais e as peculiaridades de cada beco, entre cada casa da nossa rua. Com o tempo, as amizades se fortaleciam, e logo estaríamos jogando peteca, soltando pipas, rodando pião, matando aulas na escola primaria para banhar nos “brejos” mais próximos ou mesmo observar as meninas pulando elástico no pátio do colégio e qualquer outra coisa que pudesse ser feita em grupo, porque eu não sei, o que sei é que desse modo as amizades ganhavam novos tons de proximidade e a solidão das crianças pós – modernas dos dias de hoje não foi herdada do perfil de relacionamento social da minha velha infância.
2 Comentários
Cara, tu zerou o Top Gear? Doido d+.
ResponderExcluirBom voltar ao tempo com texto desses. Sempre fico na porta de casa a noite lembrando do quanto as pessoas da minha infância eram mais sociáveis.
Belo texto.
Pois é cara! Top Gear é "o jogo"!
ResponderExcluirAinda hoje tenho a trilha das corridas no meu celular!
Saudades da minha Velha Infância
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